A casa dos mortos
ISSN 1981-6278
Novas escrituras e mediações em saúde
A casa dos mortos
Debora Diniz
DOI: 10.3395/reciis.v3i2.263pt
Malu Fontes
Jornalista, Doutora em Comunicação e Cultura Contemporâneas, Universidade Federal da Bahia, Salvador,
Brasil
malufontes@ufba.br
O efeito mais provável produzido sobre o espectador pelos três atos que compõem A Casa dos Mortos, sexto documentário da antropóloga e bioeticista Debora Diniz
(ImagensLivres/Ministério da Saúde, 2009), é o de levá-lo a experimentar um lugar situado na interseção entre o alívio, o desconforto e o estranhamento. O alívio gerado por saber-se habitando universos sociais radicalmente opostos e distantes daquele dos indivíduos retratados no filme – loucos e infratores -, dupla e irreversivelmente estigmatizados por mecanismos convergentes pactuados entre a sociedade, representada pelo senso comum, e os campos da saúde, da justiça e da segurança pública. O estranhamento, dificilmente traduzível em um primeiro momento de apreensão da narrativa, é gerado pela absoluta impossibilidade de identificação diante do desconforto de ver-se diante de uma experiência amplificada em grau máximo da alteridade: ser apresentado a um outro tão radicalmente diferente de um “nós” socialmente compartilhado, um outro de tal modo desconhecido e radical, que tais diferenças, dada a impossibilidade mínima de reconhecimento e semelhança, tornam-se semanticamente intraduzíveis.
Em apenas 24 minutos, o documentário ilustra a condição humana, social, médica e jurídica sob a qual vivem os cerca de 4.500 homens e mulheres que hoje habitam os hospitais de tratamento e custódia existentes em todo o Brasil, numa espécie de fusão entre um tratamento psiquiátrico tão interminável quanto ineficiente e uma prisão perpétua que atende pelo nome jurídico de Medida de Segurança. Uma atualização do panóptico de Foucault que, mesmo após a reforma psiquiátrica que abriu as portas dos