A Boca no PApel
O garoto da vizinha me pediu que o ajudasse a fazer (a fazer, não, a completar) um trabalho escolar sobre a boca. Estava preocupado porque só conseguira escrever isto: “Pra que serve a boca? A boca serve para falar, gritar e contar. Serve também pra comer, beber, beijar e morder. Eu acho que a boca é um barato”. Queria que eu acrescentasse alguma coisa.
─ Que coisa?
─ Qualquer coisa, ué. Escrevi só quatro linhas, a professora vai bronquear.
─ Mas em quatro linhas você disse o essencial. Para mim, só faltou dizer que a boca serve também para calar. Em boca fechada não entra mosquito.
─ Isso não dá nem uma linha ─ e os olhos do garoto ficaram tristes. ─ Por favor, me ajude...
Então resolvi fazer a minha redação, como aluno ausente do Colégio Esperança, e passá-la ao coleguinha, a título de assessor de emergência.
*
A boca! Tanta coisa podemos falar sobre a boca, mas é sempre por ela que falamos dela. Até a caneta e o lápis são uma espécie de boca para falar sobre a boca. Eles vão riscando e saem as palavras como se saíssem por via oral. (Risquei a expressão “por via oral”. É muito sofisticada, ninguém vai acreditar que fui eu que escrevi. Mas foi, sim.)
A boca é linda quando é de mulher que tem boca linda. Fora disso, nem sempre. A boca é muito rica de expressões, mas não se deve confundir a mesma com a chamada boca rica
(mordomia, negociatas, pregão de ações da Vale do Rio Doce aos milhões etc.). A boca de que estou falando, aliás escrevendo, pode ser alegre, amarga, ameaçadora, sensual, deprimida, fria, sei lá o quê. Uma boca pode variar muito de expressão e mesmo não ter nenhuma. Uma das bocas mais gozadas que eu já vi foi a boca-de-chupar-ovo, uma boquinha de nada, da minha tia Zuleica. Se fosse um pouquinho mais apertada, eu queria ver ela se alimentando – por onde? Mas esta boca está fora da moda, só aparece no jornal nos retratos das melindrosas de 1928, que faziam a boca ainda menor desenhando o contorno com o batom.