A arte, o inspirado, o fora
A literatura vive no salto, no imprevisível. Quanto mais tentamos fazer literatura, mais nos distanciamos dela. Vizinha do Desespero, de Eros e Tánatos, (que vizinhança hein!) ela irrompe como um desmoronamento, levando do morro a terra, as moradas, os rizomas, o lixo e as fezes. Ao mesmo tempo que passa pelo poeta e é dele, se perde dele, porque vem de um outro lugar, um outro lugar que pertence a todos os homens e mulheres (inconsciente coletivo, arquétipo primevo, mundo dos espíritos, angústia?). O objetivo do poeta, não importa se escreve prosa ou poesia, é transformar-se em palavras, transformar-se tão profundamente que mesmo o que não é só dele, mas de todo homem: o abismo, o enigma, também transborde do texto. O que o autor não sabe em si, é o que o outro ser humano também não sabe. Heidegger diz que os filósofos (e por que não os escritores?) dizem o mesmo, entretanto não dizem o igual. É dizer que desde que se toque o enigma, ou que o enigma toque aquele que escreve, o mais é irrelevante. O toque será diferente, porque os homens são diferentes e vivem em tempos diferentes, mas o Lugar será o mesmo: o espaço literário de que fala Blanchot. Segundo Pedro Nava, nem todo grande escritor é um BOM escritor. Acho que está para além das questões de forma e conteúdo. Dostoievski era acusado de repetir palavras em excesso, em Balzac censuravam o estilo sinuoso e, mesmo no aristocrático Henry James, apontavam o uso desmedido de advérbios. O texto é só a ponta do iceberg, nove terços estão submersos: correntes de desejo, fezes, orgasmos, ódios e amores irrompem na escrita, estão lá, ainda que não estejam no texto. Por isto acredito, com Artaud, que a literatura é uma possibilidade de existência, não uma coisa entre coisas, mas a Coisa, o corpo sem órgãos. Não se trata de pintar o cabelo de roxo para chocar os adultos, às vezes, uma existência terrena simples abriga uma vida interior desmedida, porque o planeta do artista é o