A arte, a queda, a diferença
Jorge Lucio de Campos*
“O real não é verdadeiro, ser já o contenta”.
H. Atlan
Um salto de reviver
Nada morre em termos de arte. Ou, ao menos, morre totalmente já que um pouco de morte, pensando bem, integra o movimento de vitalização daquilo que não cessa de “morrer” visando “reviver” de um outro modo. Ocorre que é difícil vislumbrar uma separação possível entre a arte e a vida. Como afirmou Deleuze: "o fundamental é como se fazer aceitar pelo movimento de uma grande vaga, de uma coluna de ar ascendente, ‘chegar entre’ em vez de ser origem de um esforço".[1] Sob esta ótica, só morreria o que teve uma origem, o que partiu de um ponto só para chegar a outro, num franco retorno às abstrações, pois a arte ora dormita, hiberna, se desativa para, em seguida, num movimento rude – um tipo de pirueta com ares circenses – reassumir suas linhas de fuga, segundo a lógica das necessidades de um momento dado. É nesse sentido que os artistas se empenham em, meio que inutilmente, garantir a continuidade de um itinerário de autodescoberta que ora afasta (desobriga) ora aproxima (compromete) a obra em relação a uma concretude que, por seu lado, corrobora tais situações. É sabido que, hoje, eles procuram dentro de si − de seus pensamentos e sensibilidades − uma senha magna para seu ofício que os manteria empenhados aos seus motivos, depois de séculos à mercê oscilatória dos jogos práticos dos extratos humanos que os amarraram à sobredeterminação das demandas e utilizações. A história da arte aponta para uma outra história − a da eficiência instrumental das obras: úteis para os xamãs na consecução da ilusão mágica da garantia de sobrevivência; para os sacerdotes no convencimento grupal de que a interlocução e a negociação seriam sempre viáveis, se intermediadas pelos homens certos com os deuses altíssimos; para os déspotas na docilização da maioria frente à autoridade transcendental de líderes divinamente apontados; para os burocratas