Vidas Secas
“(…)
O bicho não era um cão,
Não era um gato,
Não era um rato.
O bicho, meu Deus, era um homem.”
Manuel Bandeira
Vidas secas, conhecida obra de Graciliano Ramos, mostra a realidade vivida por uma família brasileira – como tantas outras - privada de cidadania, obrigada a viver como retirante no nordeste para buscar sobrevivência.
O texto apresenta uma característica peculiar à narrativa moderna: a tessitura fragmentária da narrativa, que é apresentada na forma de discurso indireto livre e na desconexão temporal – tendo em vista que a obra foi primeiramente construída na forma de contos independentes tratando de temas, personagens específicos, proporcionando assim ao leitor a descoberta do íntimo dos protagonistas, seus pensamentos, frustrações, medos. Essa fragmentação faz com que apesar de estarem próximos, os personagens não se relacionem uns com os outros. São isolados dentro do convívio familiar:
“Não era propriamente conversa: eram frases soltas, espaçadas, com repetições e incongruências. Às vezes numa interjeição gutural dava energia ao discurso ambíguo.
Na verdade nenhum deles prestava atenção às palavras do outro: iam exibindo as imagens que lhes vinham ao espírito, e as imagens sucediam-se, deformavam-se, não havia meio de dominá-las. Como os recursos de expressão eram minguados, tentavam remediar a deficiência falando alto. Fabiano tornou a esfregar as mãos e iniciou uma história bastante confusa, mas como só estavam iluminadas as alpercatas dele, o gesto passou despercebido.
O menino mais velho abriu os ouvidos, atento. Se pudesse ver o rosto do pai, compreenderia talvez uma parte da narração, mas assim no escuro a dificuldade era grande.”
(Cap. V, p. 34)
Esse fato é importantíssimo dentro da narrativa e a linguagem cinematográfica conseguiu revelar esse distanciamento provocado pela própria carência de linguagem apresentada pelos personagens que os igualava aos animais que contavam apenas com o instinto de sobrevivência. A