valsa número 6
PERSONAGEM
SÔNIA, menina assassinada aos 15 anos.
(CENÁRIO SEM MÓVEIS. APENAS UM PIANO BRANCO. FUNDO DE CORTINAS VERMELHAS. UMA ADOLESCENTE SENTADA AO PIANO. VESTIDA COMO QUE PARA UM PRIMEIRO BAILE. ROSTO ATORMENTADO, QUE FAZ LEMBRAR CERTAS MÁSCARAS ANTIGAS. MÃOS POUSADAS SOBRE AS TECLAS. AO FUNDO, O RUMOR DO BOMBO, QUE ACOMPANHARÁ TODA A AÇÃO. AO ABRIR-SE O PANO A CENA ESTÁ MERGULHADA NA SOMBRA. APENAS UMA ÚNICA LUZ, INCIDINDO SOBRE O ROSTO DA MOCINHA. E, ENTÃO, ELA
EXECUTA UM TRECHO DA VALSA N9 6, DE CHOPIN. SEU ROSTO PASSA A EXPRIMIR PAIXÃO, QUASE O ÊXTASE AMOROSO. CORTA BRUSCAMENTE A MÚSICA. ILUMINA-SE O RESTO DO PALCO. A MOCINHA ERGUE-SE, SEM SAIR DO LUGAR. TERROR.)
MOCINHA (aumentando progressivamente a voz, até ao grito)
—Sônia!... Sônia!... Sônia!...
(para si mesma)
Quem é Sônia?... E onde está Sônia?
(rápida e medrosa)
Sônia está aqui, ali, em toda a parte!
(recua)
Sônia, sempre Sônia...
(baixo)
Um rosto me acompanha... E um vestido... E a roupa de baixo....
(olha para todos os lados; e para a platéia, com meio riso)
Roupa de baixo, sim,
(com sofrimento) diáfana, inconsútil...
(com medo, agachada numa das extremidades do palco)
O vestido que me persegue... De quem será, meu Deus?
(corre, ágil, para a boca de cena. Atitude polêmica)
Mas eu não estou louca! (lá cordial) Evidente, natural!... Até, pelo contrário, sempre tive medo de gente doida!
(amável e informativa, para a platéia)
Na minha família — e graças a Deus — nunca houve um caso de loucura...
(grita, exultante)
Parente doido, não tenho!
(sem exaltação, humilde e ingênua)
Só não sei o que estou fazendo aqui...
(olhando em torno)
Nem sei que lugar é este.
(recua, espantada; aperta o rosto entre as mãos)
Tem gente me olhando!
(olha para os lados e para o alto. Lamento maior)
Meu Deus, por que existem tantos olhos no mundo? (sem transição, frívola e cordial)
Depois eu me lembro de tudo o que fui, de tudo o que