Urbanização
Uso do crack nas metrópoles modernas: observações preliminares sobre o fenômeno em Salvador, Bahia
Esdras Cabus Moreira
1
Muitos usuários de crack descrevem um uso caótico dessa substância e uma total ruptura com o cotidiano. A compulsão ao uso da droga e o estreitamento dos seus interesses para situações apenas relacionadas à sua aquisição e consumo, os levam a perder toda a ligação com o seu grupo social anterior e a prejuízos profissionais e pessoais incomensuráveis. Todos pontuam o caráter irracional e incontrolável do comportamento de uso e a alternância entre o prazer físico e o extremo desconforto psicológico e orgânico que se sucediam antes, durante e após o consumo da droga. Um usuário atendido no Centro de Estudos e Terapias do Abuso de Drogas da Universidade Federal da Bahia (CETAD/ UFBA) referiu-se ao crack como a “droga do silêncio”, pois nada era pensado ou feito durante o seu efeito: nenhuma realidade era considerada, nenhuma culpa ou preocupação advinha no momento do seu uso – uma suspensão completa do real. A vivência da impossibilidade do controle do uso da substância e a sua repercussão no cotidiano operam, no sujeito, uma redução às suas potencialidades físicas e ao domínio do corpo, pela negação do seu potencial produtivo. É através da negação que o usuário se coloca no mesmo registro que lhe é imposto
114
Toxicomanias
pelo fim do trabalho tradicional: a valorização excessiva do potencial produtivo pela interminável qualificação, física e técnica, do indivíduo, atendendo às constantes reformulações do ambiente de trabalho. Tanto na situação patológica quanto na adequação ao mercado, o corpo do indivíduo é cenário de um movimento para a objetivação e demarcação dos seus limites, quer pelo prazer excessivo e compulsivo, quer pela produtividade ininterrupta e ilimitada. Quando Simmel (1976), no início do século passado, descreveu a atitude blasé dos cidadãos das grandes cidades industriais