uma abelha na chuva
Uma abelha na chuva
Introdução de
Manuel de Gusmão
Círculo de Leitores
Este volume faz parte da série
Romances Portugueses - Obras-Primas do Século XX coordenada e dirigida por David Mourão-Ferreira e assinala o XV aniversário do Círculo de Leitores
Capa de
José Antunes
Fotocomposto em Garamond 12/11,5 por Fotocompográfica foi impresso e encadernado no mês de Março de 1986 por Resopal em exclusivo para os Sócios do Círculo de Leitores
Licença editorial por cortesia da Livraria Sá da Costa Editora
Edição n.º 1903 Depósito legal n.º 14 746/87
Introdução
O Homem e a obra por Manuel Gusmão
O homem já não está entre nós, a obra sim. Desde 1 de Julho de 1981 que já não o podemos encontrar num café, ao virar de uma esquina, em casa. Amigos houve que falavam limpidamente da solidão que por essa perda lhes chegava (Mário Dionísio, por exemplo). A obra... essa espera por nós, reservada e rigorosa, num apelo quase silencioso. Espera que a visitemos e compensar-nos-á da viagem de a irmos ler. O autor que nessa obra se ia fazendo preparou-a para isso: para nos convidar. Trabalhou e disse discretamente essa espera, por exemplo num poema intitulado «Mapa»:
O poeta
[o cartógrafo] observa as suas ilhas caligráficas cercadas por um mar
sem mares, o arquipélago a que falta o vento, fauna, flora, e o hálito húmido da espuma,
pensando que talvez alguma ave errante traga à solidão do mapa, aos recifes desertos um frémito, um voo, se for possível voar sobre tanta aridez. Os primeiros versos de cada uma das duas partes deste poema dizem que «o poeta» está «pensando», ou seja, escrevendo sobre a sua obra e os leitores que serão («talvez») capazes de a visitar. As «ilhas caligráficas», o «arquipélago», o «mapa» dizem a obra, a «ave errante» somos nós, os leitores que à obra vêm, e nela reconstituirão o vento, a fauna, a flora, e o hálito húmido da espuma, que na sua «solidão» e «aridez»,