Um pouco de literatura
A linguagem literária ou artística desenvolveu ao longo da história sua própria tradição, composta pelo conjunto de obras que já foram escritas. É em função desse passado que um escritor, uma geração ou um movimento podem ser avaliados: há os diluidores, que nada acrescentam ao que já foi criado; os mestres, que retomam, aperfeiçoam e atualizam essa tradição, e os gênios, que buscam o novo e instauram muitas vezes uma nova tradição (utilizando aqui uma distinção que fez Ezra Pound entre esses três níveis — diluidores, mestres e gênios).
Um dos objetivos do estudo dos estilos literários é a compreensão das várias soluções formais que os escritores vêm criando, ao longo do tempo, para dar expressão aos sentimentos, valores e crenças de cada época, agrupando-os em escolas, correntes, movimentos e estilos, a partir de determinadas semelhanças formais ou temáticas. Essa "classificação" deve levar sempre em conta que literatura é continuidade, e a fixação de datas e limites atende a objetivos puramente didáticos e, às vezes, mais confundem que elucidam. É o risco inerente a toda generalização. Por exemplo: Camões, que estudaremos dentro do Classicismo, ou do Renascentismo português, porque assim o quer uma arraigada tradição didática, está, muitas vezes, mais próximo do Maneirismo, ou do Barroco, que da contenção e otimismo clássicos, sem falarmos na expressiva produção medieval, ainda sob os moldes do Cancioneiro Geral.
Os fatos históricos e culturais e o aparecimento de obras inovadoras que são tomados como referências para o início ou fim dos períodos literários devem ser compreendidos como artifícios didáticos, marcos divisórios estabelecidos pelos historiadores da literatura para delimitar períodos cuja gestação levou, por vezes, muitas décadas. Daí as nebulosas transições, em que o antigo e o novo coexistem, fontes inesgotáveis de mal-entendidos e estéreis polêmicas.