Um documentário mostra os horrores
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"Há ocasiões em que salvar uma vida é um crime maior do que tirá-la", diz o médico Harry Haiselden numa cena do filme A Cegonha Negra, ao instruir uma enfermeira a deixar à morte um recém-nascido deformado. A Cegonha Negra, porém, não é uma fita de terror barata. É uma peça de propaganda, feita em 1917 para divulgar a idéia da higiene racial. Tampouco o doutor Haiselden é um personagem de ficção. Trata-se de um americano que, como tantos outros cientistas até a metade do século XX, defendeu a idéia de que é possível criar um ser humano "superior" – desde que os indivíduos "inferiores" fossem tirados do caminho. Um trecho desse filme macabro pode ser visto no documentário Homo Sapiens 1900 (Suécia, 1998), que estreou na sexta-feira em São Paulo. A fita se debruça sobre o tema da eugenia, o ramo que pesquisa o que seria o aprimoramento da espécie por meio da genética. Homo Sapiens 1900 é um estudo claro, factual e impiedoso do racismo mascarado de ciência – e a serviço de alguma ideologia. Tem ainda a assinatura de um diretor experimentado: o sueco Peter Cohen, que no brilhante Arquitetura da Destruição, de 1989, dissecou a relação entre a violência de Adolf Hitler e a arte.
Cohen, de 54 anos, é filho de um judeu alemão que fugiu de Berlim em 1938, apenas um ano antes do início da II Guerra. É natural, portanto, que se dedique a destrinchar assuntos ligados ao nazismo e ao preconceito racial. Mas o faz com uma originalidade surpreendente. Assim como em Arquitetura da Destruição, em Homo Sapiens 1900 ele vasculhou arquivos históricos de vários países para garimpar imagens inéditas. Algumas delas são verdadeiros achados. Há, logo no início deste documentário, uma espécie de feira promovida nos Estados Unidos nos anos 20: numa cidade do interior, os moradores olham com atenção fotos de pessoas deformadas ou retardadas, dispostas sob uma legenda que anuncia que elas constituem um fardo à sociedade – as teorias eugênicas provocavam tanto entusiasmo entre os americanos