transição portuguesa para o capitalismo
Análise Social, vol. XII (45), 1976-1.°, 106-126
Sobre o século XIX português: a transição para o capitalismo*
Às voltas com o século xix português, parece-nos hoje legítimo pensar que, do ponto de vista teórico, este período vem a coincidir com a problemática da transição. Pierre Vilar, num texto de debate com Althusser, referia-se à história do Portugal dos Descobrimentos e da expansão ultramarina como um dos casos a privilegiar, do ponto de vista da análise concreta de uma situação concreta, para o estudo da acumulação primitiva
(«Histoire marxiste, histoire en construction— essai de dialogue avec
Althusser», in Annales, Janeiro-Fevereiro de 1973). Temos, no entanto, a sensação de que o Prof. Vilar não deixa perfeitamente claro, como às vezes sucede quando se aborda o tratamento da acumulação primitiva, o duplo carácter que tal processo tem para Marx, atentando apenas em um só dos seus lados: o da acumulação de riqueza móvel: ouro, mercadorias, dinheiro em suma.
Ora, como teremos ocasião de mostrar num outro texto consagrado ao modelo da transição segundo Marx (a publicar proximamente em
Análise Social), o processo da acumulação primitiva é bem um duplo processo: o da acumulação de riqueza móvel, de um lado, e o da acumulação de força de trabalho separada dos meios de produção de outro lado. Sem esta dupla acumulação não há capital, não há modo de produção capitalista, na medida em que não há troca de dinheiro por força de trabalho para a produção de mercadorias que contenham uma certa quantidade de trabalho que exceda o trabalho necessário à reprodução da força de trabalho implicada na troca; que contenha, em suma, aquilo que Marx, sem o ter inventado, vem a designar por mais-valia (mehrwert).
Neste modelo não cabem dúvidas de que a simples acumulação de riqueza móvel não basta, por si só, para dar origem ao modo de produção capitalista. Para que este venha a ter lugar, é preciso que tal riqueza móvel
se