Trabalhos
Cecília Meireles
Já se ouve cantar o negro, mas inda vem longe o dia.
Será pela estrela d'alva, com seus raios de alegria?
Será por algum diamante a arder, na aurora tão fria?
Já se ouve cantar o negro, pela agreste imensidão.
Seus donos estão dormindo: quem sabe o que sonharão!
Mas os feitores espiam, de olhos pregados no chão.
Já se ouve cantar o negro.
Que saudade, pela serra!
Os corpos, naquelas águas,
- as almas, por longe terra.
Em cada vida de escravo, que surda, perdida guerra!
Já se ouve cantar o negro.
Por onde se encontrarão essas estrelas sem jaça que livram da escravidão, pedras que, melhor que os homens, trazem luz no coração?
Já se ouve cantar o negro.
Chora neblina, a alvorada.
Pedra miúda não vale: liberdade é pedra grada...
(A terra toda mexida, a água toda revirada...
Deus do céu, como é possível penar tanto e não ter nada!)
Interpretação
Cecília Meireles, em seus romances, com os fios do tecido ficcional, também tece um discurso que outorga a existência a inúmeros oprimidos, dando voz ao negro nas catas, seres marginalizados e excluídos pela história oficial.
Nesse espaço em que prevalece a escravidão, a imagem da “pedra” surge como uma forma de libertação do homem, no “Romance VII ou do negro nas catas”. O canto do negro mistura-se com o seu ato de catar. E encontrar uma pedra grande é um meio que poderá livrá-lo da escravidão, mas o poema fecha-se com um canto que se silencia.
E o canto da poeta, que descreve o negro na cata, a cantar, não se distancia de seu objeto de relato, pois também assume a dor do outro quando trabalha pela liberdade. Nesse canto lírico de dor e indignação, tem-se a voz do poeta que se funde com a voz do povo, principalmente nos versos “Deus do céu, como é possível / Penar tanto e não ter nada!”. O poema explora o tema da liberdade através da pedra de diamante que surge na primeira estrofe e irá espalhar toda a