TEORIA LITERÁRIA
“Chicó – É, o cachorro já estava morto, mas você sabe como esse povo rico é cheio de confusão com os mortos. Eu, às vezes, chego a pensar que só quem morre completamente é pobre, porque com os ricos a confusão continua por tanto tempo, que chega a parecer que ou eles não morrem direito, ou a morte deles é outra.’”
Comentário
Nesse trecho, a sutileza da crítica moralizante que a peça produz atinge um de seus pontos mais altos. A fala de Chicó, um personagem ingênuo, produz um efeito importante na literatura: o estranhamento, que leva a enxergar situações corriqueiras sob um novo ponto de vista e a descobrir nas atitudes mais banais um sentido oculto. O estranhamento é, portanto, um “olhar pela primeira vez”, a revelação de uma verdade escondida pelo hábito. Chicó mostra que, diante da morte, todo o dinheiro e poder que se juntou em vida são inúteis. O modo como o personagem faz isso é singular: assume um olhar que apenas descreve as disputas que sucedem a morte de um rico: brigas por herança, partilhas, homenagens, estátuas etc. Tudo inútil diante da morte soberana.
Trecho 2
“Chicó – João! João! Morreu! Ai meu Deus, morreu pobre de João Grilo! Tão amarelo, tão safado e morrer assim! Que é que eu faço no mundo sem João? João! João! Não tem mais jeito, João Grilo morreu. Acabou-se o Grilo mais inteligente do mundo. Cumpriu sua sentença e encontrou-se com o único mal irremediável, aquilo que é a marca de nosso estranho destino sobre a terra, aquele fato sem explicação que iguala tudo o que é vivo num só rebanho de condenados, porque tudo o que é vivo morre. Que posso fazer agora? Somente seu enterro e rezar por sua alma.”
Comentário
Chicó lamenta a morte de João Grilo. Após exclamações de tristeza, afirma: “Cumpriu sua sentença e encontrou-se com o único mal irremediável...”. Essa frase aparece por duas vezes no decorrer da peça. Reveste-se, assim, de importância aumentada. Não deve ser entendida como uma expressão individual de Chicó,