resumo
Paula Miraglia
Lançar mão da antropologia, não só dos seus métodos de pesquisa, mas também de seu arsenal teórico, para analisar o discurso do direito e de seu campo de atuação é, na verdade, promover o encontro entre duas disciplinas que se colocam em lados opostos no que se refere à dimensão simbólica do poder. Podemos dizer que o direito opera na chave da "razão prática". Numa lógica de causa e efeito, a aplicação da lei baseia-se numa correspondência direta entre dado, fato, prova e a imagem de justiça.
Para a antropologia, contudo, a idéia de "realidade dos fatos", pura e simplesmente não cabe, ou pelo menos não vem a ser uma preocupação exclusiva. Como aponta Clifford Geertz, há uma espécie de preconceito advindo da idéia de que "o 'simbólico' se opõe ao 'real' como o extravagante ao sóbrio, o figurativo ao literal, o obscuro ao simples, o decorativo ao substancial". Ainda nas palavras do autor, a dramaturgia do poder não é exterior ao seu funcionamento. O real, segundo ele, é tão imaginado como o imaginário. Para falar do poder, a antropologia busca elementos que constroem sua simbologia dramática.
A despeito da diferença de idade entre as duas, não é de hoje que a antropologia e o direito têm encontrado espaços comuns de debate. Esses encontros, contudo, têm se dado de maneiras muito diferentes. Nesse sentido, propomos uma pequena reflexão acerca da trajetória das aproximações e estranhamentos entre as duas disciplinas.
Para os juristas, há uma relação imediata entre direito e sociedade. Na verdade, mais do que isso, não há sociedade sem direito. Pois, para que o homem "viva em sociedade", é imprescindível que os diversos interesses manifestos na vida social, bem como os conflitos advindos desses interesses, sejam orquestrados e resolvidos. Logo, o direito teria primordialmente a função de ordenação social, sendo o Estado o meio para garantir essa ordenação. A existência do Leviatã