Resenha final
Quando eu reclamei para o garçom que o filé que eu havia pedido ao ponto tinha vindo tão estorricado que me lembrou da cena do filme Em Busca do Ouro, em que Charles Chaplin come a sola de uma bota velha, ele me respondeu candidamente:
— É que a casa está sem chefe de cozinha. Disse isso e foi atender ao aceno de um cliente de outra mesa, deixando-me sem saber se me conformava com a situação, se me levantava e ia embora ou se provocava uma cena de indignação. Chamei o maître, que se limitou a dar sua versão:
— Eu já falei para o gerente que os fregueses estão reclamando, mas ele ainda não fez nada.
Pasmo, limitei-me a pedir a conta. O filé não comido estava sendo cobrado. Indignado, pedi para falar com o gerente, que disse:
— Desculpe senhor, mas o dono do restaurante é uma pessoa muito ocupada e eu ainda não consegui falar com ele sobre a contratação de um novo chefe de cozinha.
Não pude acreditar no que estava ouvindo. O que mais me causou espanto foi a imensa cascata de transferência de responsabilidade. Comportamento semelhante ocorre em grandes empresas — instituições financeiras, prestadoras de serviços, órgãos públicos. A culpa — “desculpe senhor” — é sempre de outro. É oportuno lembrar que, quando Max Weber disse que uma empresa é uma burocracia, ele não estava se referindo a uma organização com escalões estanques não co-responsáveis, e sim a um sistema de normas que existem para facilitar sua operação. E a norma principal é que a empresa tem de funcionar bem, com responsabilidades divididas entre os níveis hierárquicos, mas com o exercício permanente da colaboração entre eles. A transferência de responsabilidade é, provavelmente, o maior sinal da falência funcional. É o começo da temporada de caça às bruxas, que só acaba quando começa outra, a temporada da procura de um novo emprego porque a firma faliu. Aliás, outro dia notei que, no lugar do restaurante, agora há um pet shop.
(Eugenio Mussak é professor do MBA da FIA e consultor