Representações do feminino
escrevendo Gabriela, cravo e canela, rio de janeiro, 1958
26 cAderno
de
leiturAs
aNteS que o FemiNiSmo da déCada de 1960 desse voz e visibilidade às mulhe res na vida social, política e cultural do Brasil, a ficção de Jorge Amado já apre sentava personagens femininas que transgrediam e superavam códigos injustos.
Tratase da passagem da mulher de objeto manipulado pelo homem a sujeito de seu próprio destino — amoroso ou profissional.
Lívia, de Mar morto, ilustra a importância conferida à mulher pelo autor já nos primeiros romances. Na narrativa, realidade e mito formam dois planos. O primeiro mostra a vida dos saveiristas no cais de Salvador, fazendo trabalho peri goso e mal remunerado. O segundo expõe a submissão ao destino, representado por Iemanjá, divindade dona do mar e da vida dos homens, que vêem na morte um encontro com ela e a recompensa dos fortes. O refrão de uma música de
Caymmi, várias vezes repetido — “É doce morrer no mar” — reforça tal caráter fatalista. Raramente um desses homens morre em terra, mas sempre deixa à viúva duas possibilidades de sobrevivência: o trabalho duro — nas fábricas ou como lavadeira —, ou a prostituição. A professora Dulce, que ensina as crianças do cais por idealismo, acredita que só um milagre mudaria essa situação injusta.
O herói da narrativa, Guma, mestre de saveiro protegido de Iemanjá por ser forte e valente, numa festa dedicada à deusa, conhece Lívia, assim descrita:
Guma não tira os olhos da assistência. Sem dúvida que aquela é a mulher que
Iemanjá lhe mandou. Tem os cabelos escorridos, parecendo molhados, os olhos claros de água, os lábios vermelhos. Ela é quase tão bela como a própria Janaína
[…] E ele não duvida um instante que a possuirá, que ela dormirá em seu saveiro, será sua companheira nas viagens. E canta para Iemanjá dos cinco nomes, mãe dos homens do cais, sua esposa também […]
Na descrição — feita pelo