Quando o zoólogo Alfred C. Kinsey começou a fazer do sexo uma ciência, em 1938, esse era um assunto que podia, literalmente, dar cadeia: na maioria dos Estados americanos, o sexo pré-marital ou extraconjugal, a homossexualidade e o sexo oral (mesmo no casamento) eram crimes previstos em lei e puníveis com prisão. Daí o furor com que o Relatório Kinsey (como ficou conhecido o livro Comportamento Sexual no Macho Humano) foi recebido, em 1948. A tese do cientista, amparada em milhares de entrevistas com homens e mulheres de todas as idades e camadas sociais, era a de que em matéria de sexo não existe aberração ou desvio. Existe apenas uma infinidade de práticas e preferências, que lei nenhuma é capaz de banir dos quartos conjugais, dos bancos traseiros dos automóveis ou de qualquer canto menos iluminado que se preste à intimidade. Essa curiosidade inesgotável sobre o sexo, defendia Kinsey, é simplesmente própria do "animal humano" e está além da alçada da moral. Toda a pesquisa que se seguiu à de Kinsey só fez confirmar sua visão. Sobre o próprio autor, porém, não há consenso: de gênio pioneiro da sexualidade a um manipulador que usou a ciência para arregimentar parceiros sexuais e concretizar seus fetiches, as opiniões sobre ele abarcam hoje todas as cores do espectro. E, quase meio século após sua morte, Kinsey está de novo na ordem do dia: foi objeto de duas biografias recentes – ambas cheias de revelações –, é o protagonista de um filme a ser lançado em breve (Kinsey, com Liam Neeson no papel-título) e também o tema de The Inner Circle, um curioso híbrido de fato e ficção que chegou às livrarias americanas no mês passado. Assinado por T. Coraghessan Boyle, um dos grandes nomes da nova literatura americana, The Inner Circle se vale de um narrador fictício – o jovem e influenciável John Milk, assistente direto do professor – para pintar um retrato polêmico de Kinsey: um cientista obcecado pela pureza metodológica de seu trabalho, mas também um virtuose da persuasão