Reflex Es Sobre A Tutela Penal Da Propriedade
Autor: Maria Lúcia Karam(*)
Maria Lúcia Karam(*)
Ex-Defensora Pública no Estado do Rio de Janeiro e ex-Juíza Auditora da Justiça Militar Federal.
I. O CRIME: RELATIVIDADE DE SEU CONCEITO SUBSTANCIAL
Fatos negativos ou indesejáveis, situações conflituosas, que se produzem no desenrolar das relações sociais e afetam a realização de interesses ou direitos individuais, coletivos ou institucionais, reconhecidos em uma dada formação social, são, por isso, objeto de proibições ou mandatos na ordem normativa; as infrações a estes mandatos ou proibições definem-se em múltiplos preceitos, nas órbitas civil, administrativa ou penal.
A definição de quais dentre esses fatos socialmente negativos ou situações conflituosas serão objeto de proibições ou mandatos na órbita penal dar-se-á através de intervenção legislativa, na primeira etapa do processo de criminalização, traduzindo não mais do que uma decisão política do Estado. O crime enquanto fato socialmente negativo ou expressão de uma situação conflituosa ontologicamente não se diferencia de outros fatos ou situações dessa natureza assim não qualificados.
Fazendo-se por decisão política do Estado, a seleção dos interesses ou direitos individuais, coletivos ou institucionais – identificáveis como bens jurídicos a serem objeto da tutela penal - e a definição das condutas deles afetadoras a serem qualificadas como crimes, atendem naturalmente aos interesses e valores dominantes em um dado momento histórico e em uma dada formação social, instrumentalizando o exercício do poder, em sua expressão punitiva, de forma a proporcionar uma disciplina social que resulte funcional para a manutenção e reprodução da organização e do equilíbrio global daquela dada formação social.
A seleção e definição de bens jurídicos e de condutas deles afetadoras a que se dará um tratamento penal estão vinculadas e são determinadas pelas características básicas da formação social onde se desenvolve