Recife Sob o Signo do Homem-Caranguejo (Chico Science encontra Josué de Castro)
Recife sob o signo do homem-caranguejo por Moisés Neto
Citado nas letras de Science e em depoimentos que o poeta registrou na mídia, o cientista e professor Josué de
Castro, recifense morto em 1973, é o autor do romance Homens e Caranguejos (1966) o qual foi lido por Chico com avidez enquanto formulava o conceito mangue. Este romance descreve o cotidiano de uma comunidade erguida num manguezal do bairro de Afogados, Recife na primeira metade do século XX.
São pescadores de caranguejos, pessoas que tiram do mangue seu sustento. Suas casas construídas com o massapé, madeira e palha do local e sua principal alimentação os caranguejos, até as crianças eram criadas tomando mingau feito com o caldo (o
“leite da lama”) destes bichos que “fervilhavam” nas margens do
Capibaribe.
Seres humanos feitos de carne de caranguejo, pensando e sentindo como caranguejos. Seres anfíbios – habitantes da terra e da água, meio homem e meio bichos [...] parados como os caranguejos na beira da água ou caminhando para trás como caminham os caranguejos [...] habitantes dos mangues [...] dificilmente conseguiriam sair do ciclo do caranguejo, a não ser soltando para a morte e, assim, afundando-se para sempre dentro da lama [...] essa fossa pantanosa onde aguarda o Recife (CASTRO: 2001, p. 1011).
A visão de Josué é ao mesmo tempo perturbadora e dinâmica. Expõe a fome de um povo que ao mesmo tempo brinca com o bumba-meu-boi, o pastoril, o maracatu e outros
folguedos (p. 113) planejam uma revolução que tome a cidade das mãos dos ricos poderosos e dos políticos, mostrados como hipócritas e ladrões. O mangue aparece antropomorfizado: agarrando-se com unhas e dentes (...) gamas fincadas profundamente no lado [...] cabeleira verde [...] braços numa amorosa promiscuidade [...] luta constante com o mar como se fossem trapos de ocupação” (ibid. p. 12).
Este clima de mangue vivo onde o vegetal, mineral e animal se confundem