rachel de queiroz
Que não oferece signos nem linguagem específica, não respeita sequer os limites do idioma. Ela flui, como um rio. como o sangue nas artérias, tão espontânea que nem se sabe como foi escrita.
E ao mesmo tempo tão elaborada - feito uma flor na sua perfeição minuciosa, um cristal que se arranca da terra já dentro da geometria impecável da sua lapidação.
Onde se conta uma história, onde se vive um delírio; onde a condição humana exacerba, até à fronteira da loucura, junto com Vincent e os seus girassóis de fogo, à sombra de Eva Braun, envolta no mistério ao mesmo tempo fácil e insolúvel da sua tragédia.
Sim, é o encontro com a Poesia.
Telha de Vidro Quando a moça da cidade chegou veio morar na fazenda, na casa velha...
Tão velha!
Quem fez aquela casa foi o bisavô...
Deram-lhe para dormir a camarinha, uma alcova sem luzes, tão escura! mergulhada na tristura de sua treva e de sua única portinha...
A moça não disse nada, mas mandou buscar na cidade uma telha de vidro...
Queria que ficasse iluminada sua camarinha sem claridade...
Agora,
o quarto onde ela mora é o quarto mais alegre da fazenda, tão claro que, ao meio dia, aparece uma renda de arabesco de sol nos ladrilhos vermelhos, que — coitados — tão velhos só hoje é que conhecem a luz doa dia...
A luz branca e fria também se mete às vezes pelo clarão da telha milagrosa...
Ou alguma estrela audaciosa careteia no espelho onde a moça se penteia.
Que linda camarinha! Era tão feia!
— Você me disse um dia que sua vida era toda escuridão cinzenta, fria, sem um luar, sem um clarão...
Por que você na experimenta?
A moça foi tão vem sucedida...
Ponha uma telha de vidro em sua vida!