Questões de Didatica
Eu era a menina, daquele jardim a flor que mal se abrira para a vida. Se era rosa, margarida ou orquídea, não sei. Sei que nela havia delicadeza, um quê de mistério e uns ares matreiros de peraltice infantil. É certo que se abriria, porém o jardineiro caprichoso ainda não havia tocado em seu talhe.
Eu era a menina, flor incerta e acordada toda manhã com a cerração invadindo o quarto, ardendo as narinas ainda sonolentas, até que o odor do café passado no coador de pano lhe dava “Bons dias”, despertando-me, bichinho que eu era, a farejar os cheiros novos e antigos do mundo.
E o meu mundo tinha cheiros, tinha cores e sabores. O melhor dele tinha cheiro de avó: morna mistura de pele e de cozinha, tinha olhos azuis que sempre naufragavam em mim e o sabor inexprimível da segurança que é estar em casa.
Mas não é dessa seara cinestésica que devo ocupar-me: eu era menina, a flor do dia que farejava naquelas manhãs minhas melhores memórias de uma vida inteira.
Café coado, num zás levantava. Pijaminha de flanela cor de rosa, saía apressada vestindo os chinelinhos de pelúcia, as luvas e a touca. Tomava o dinheirinho que me cabia e ia, mulherzinha independente esperar por aquele que me conferia por alguns minutos daqueles dias brancos a minha maioridade.
Sentada no muro amarelo, brincava com as moedinhas e com a fumaça que saía da boca. O narizinho vermelho queria escorrer, mas logo era protegido pela quentura das luvas de dedos multicores.
Eu esperava com a ansiedade que se espera um grande amor. Apesar de que, naquele momento eu sequer imaginasse o que seria amar alguém que não fosse da minha família, algo que não fosse do hall dos meus afetos.
Geralmente ele era pontual, mas quando se atrasava era como se eu fosse lançada nas masmorras da solidão, nos angustiosos abismos do mundo “dos grandes”. E esse atraso nunca passava de dez minutos, dez doloridos minutos, areias que gotejavam na ampulheta egoísta do tempo!
Eis que vinha, pedalando sua bicicleta