Que é história
A pergunta sobre o que vem primeiro - a sociedade ou o indivíduo - é como a pergunta sobre o ovo e a galinha. Quer se considere a pergunta do ponto de vista lógico ou histórico, quer não, o fato é que nada se pode afirmar, de uma maneira ou de outra, sem que logo surja um ponto de vista oposto e igualmente parcial. A sociedade e o indivíduo são inseparáveis; eles são necessários e complementares um ao outro e não opostos. “Nenhum homem é uma ilha na sua totalidade”, segundo a frase famosa de
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Donne: “cada homem é um pedaço do continente, uma parte do principal” . Esse é um aspecto da verdade. Por outro lado, tomemos a expressão de J. S. Mill, o individualista clássico: “Os homens, quando são colocados juntos, não se convertem em outra espécie
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de substância” . É claro que não. Mas a falácia está em supor que eles existiam, ou que tinham uma espécie de substância antes de serem “colocados juntos”. Logo que nascemos, o mundo começa a agir sobre nós e a transformar-nos de unidades meramente biológicas em unidades sociais. Todo ser humano em qualquer estágio da história ou da pré-história nasce numa sociedade e, desde seus primeiros anos, é moldado por essa sociedade. A língua que ele fala não é uma herança individual, mas uma aquisição social do grupo no qual ele cresce. Ambos, língua e meio, ajudam a determinar o caráter de seu pensamento: suas primeiras idéias são provenientes de outras. Conforme já se afirmou, o indivíduo, desligado da sociedade, seria incapaz de falar e de pensar. A fascinação persistente do mito de Robinson Crusoé deve-se à sua tentativa de imaginar o indivíduo independente da sociedade. A tentativa não resiste.
Robinson não é um indivíduo abstrato mas um inglês de York; ele carrega sua bíblia consigo e reza para seu deus tribal. O mito rapidamente lhe outorga seu homem, Sexta-
Feira; a construção de uma nova sociedade começa. Outro mito relevante é o Kirilov, em Demônios de Dostoievski,