QUANDO OS DEMONIOS CHEGARAM
Produzidos entre 1615 e 1616, desenhos representam feiticeiros e bruxos na América espanhola. (Reprodução / Original da Biblioteca Real de Dinamarca)
Onde o diabo não existe é preciso inventá-lo. Esta foi a estratégia dos religiosos espanhóis para lidar com as crenças dos indígenas peruanos no período da colonização, entre os séculos XVI e XVIII. Os deuses dos índios foram convertidos em seres diabólicos, sacerdotes nativos condenados por bruxaria, e considerados feiticeiros todos aqueles que utilizavam ervas para fins medicinais.
Ao chegarem à América, os espanhóis difundiram suas próprias crenças nas forças malignas, e não tardaram a acusar de bruxaria os índios que dominavam a arte da cura, da adivinhação e da preparação de filtros do amor. Imbuídos do espírito inquisitorial, passaram a destruir todo e qualquer vestígio de tais práticas consideradas mágicas.
Como os índios haviam sido convertidos à fé cristã há pouco tempo, suas heresias podiam ser fruto do desconhecimento da religião. Por isso, o rei Filipe II da Espanha determinou, em 1571, que não se usasse o Tribunal da Inquisição para julgá-los. Uma nova instituição foi criada especialmente para fazê-lo: a Extirpação de Idolatrias.
Os jesuítas Francisco de Ávila (em 1598), Hernando de Avendaño (em 1617) e José Pablo de Arriaga (em 1621) foram os primeiros e mais importantes “visitadores de idolatrias”. Sua missão era destruir ídolos, relatar casos de idolatria e feitiçaria a fim de extirpá-los e identificar os “feiticeiros” para enviá-los à Casa de Santa Cruz em Lima, onde ficariam encarcerados até que se arrependessem de seus atos.
Na maioria dos casos, a Extirpação de Idolatrias usou métodos de tortura, como açoites, a tosa de cabelo ou ter de andar despido numa lhama. A tosquia representava uma perda imensurável, pois os cabelos tinham valor de distinção entre os grupos étnicos – homens e mulheres usavam adereços e penteados para assegurar essa diferenciação. O acusado