processos
A legitimidade das relações sociais entre a lei e a Justiça*
Alexandre Zarias
No direito brasileiro, a legitimidade de certos aspectos das relações de família deslocou-se da norma para o âmbito das decisões judiciais. Atualmente, as questões que cercam o casamento, a separação, o divórcio, os alimentos, entre tantas outras da mesma espécie, encontraram no sistema judiciário um espaço institucionalizado de definição do que é a família, com sentidos que vão muito além daqueles possíveis de serem deduzidos a partir do Código
Civil. Tal fato fez com que a questão social, antes enraizada nos textos legais referentes à família, ga*
A versão preliminar deste artigo foi apresentada no
32º Encontro Anual da Anpocs, GT 37: “Sociologia e direito: explorando as interseções”, coordenado por
Marcelo Pereira de Melo (UFF), a quem eu agradeço os comentários ao texto. A pesquisa de doutorado que deu origem a este artigo foi financiada pela Fapesp.
Esta versão conta com o apoio do CNPq.
Artigo recebido em março/2009
Aprovado em junho/2010
nhasse novos contornos em face da procura e da oferta de serviços na Justiça.
Historicamente, o direito de família, ao lado do direito das sucessões, teve como função principal regular a transmissão dos bens e do patrimônio das famílias daqueles que se uniam por meio do casamento civil. Atendia, pois, a uma minoria economicamente privilegiada da população. Nos países ocidentais, ainda no século XX, a lei de família foi se estendendo e incluindo em seu âmbito os grupos sociais que eram exclusivamente objeto de atenção da lei penal: os pobres. No Brasil, o marco dessa transformação é a Constituição Federal de
1988. Nosso Código Civil de 2002 adequou as antigas normas do direito de família, que estavam em vigência desde 1917, às atuais disposições constitucionais. Dessa maneira, a noção oficial de família, que antes dizia respeito tão somente à “família legítima”,