Problemas do símbolo ritual
James Clifford (1998), que renovou o estudo das etnografias clássicas, ao propor o exame dos diferentes registros internos à sua construção narrativa,27 deteve-se nas obras de Turner. Embora Clifford assinale a inexistência, em sentido estrito, de vozes de diferentes ndembus nas obras de Turner (entendendo-se por vozes as expressões plenas de pontos de vista diversos sobre a experiência),28 ele indica, com propriedade, a variação entre citações diretas e evocações anônimas na estrutura discursiva dos trabalhos do autor, vistas como exemplos reveladores pela interação entre a exposição monofônica e a polifônica. Considera-as mesmo "retratos soberbamente complexos de símbolos rituais e crenças Ndembu"; textos que "[...] ao darem um lugar visível às interpretações nativas dos costumes, expõem concretamente os temas do dialogismo textual e da polifonia" (Clifford, 1998, p. 51-53).
Há duas observações pertinentes à natureza polifônica da narrativa etnográfica de Victor Turner realçada por Clifford (1998). Compreendemo-la melhor, creio, se a relacionamos, de um lado, à acuidade descritiva que permeia muitas das monografias da época e vigorava desde os anos 1920 com as exigências postas por Malinowski (1976); de outro, à teoria propriamente dita do símbolo ritual elaborada por Turner. Pois, para Turner (2005), o símbolo é, ele mesmo, polifônico e multivocal.
Todos aprendemos, no capítulo I de FS, os níveis de exegese tão importantes na metodologia da análise simbólica proposta por Turner (Turner, 2005, p. 50-56), que abarcam: 1) a descrição da forma externa e concreta do símbolo, de sua materialidade; 2) a exegese nativa; 3) os contextos de uso observados pelo antropólogo, onde se situam a dimensão operacional - a maneira como se usa o símbolo no curso da ação; e aquela posicional - a relação de um símbolo com outros símbolos rituais. Logo lembramos o esclarecedor exemplo fornecido pelo exame do símbolo ritual mudyi - a árvore