Poemas de Cecília Meireles
Eu não tinha este rosto de hoje,
Assim calmo, assim triste, assim magro,
Nem estes olhos tão vazios,
Nem o lábio amargo.
Eu não tinha estas mãos sem força,
Tão paradas e frias e mortas;
Eu não tinha este coração
Que nem se mostra.
Eu não dei por esta mudança,
Tão simples, tão certa, tão fácil:
- Em que espelho ficou perdida a minha face?
( Cecília Meireles )
(Obra poética, Volume 4, Biblioteca luso-brasileira: Série brasileira. Companhia J. Aguilar Editora, 1958, p. 10)
Elegia a uma pequena borboleta (com vídeo na voz da poeta)
Motivo
Eu canto porque o instante existe e a minha vida está completa.
Não sou alegre nem sou triste: sou poeta.
Irmão das coisas fugidias, não sinto gozo nem tormento.
Atravesso noites e dias no vento.
Se desmorono ou se edifico, se permaneço ou me desfaço,
- não sei, não sei. Não sei se fico ou passo.
Sei que canto. E a canção é tudo.
Tem sangue eterno a asa ritmada.
E um dia sei que estarei mudo:
- mais nada.
( Cecília Meireles )
Cecília-Meireles
Camisetas Amo Poesia
*
Timidez
Basta-me um pequeno gesto, feito de longe e de leve, para que venhas comigo e eu para sempre te leve…
- mas só esse eu não farei.
Uma palavra caída das montanhas dos instantes desmancha todos os mares e une as terras mais distantes…
- palavra que não direi.
Para que tu me adivinhes, entre os ventos taciturnos, apago meus pensamentos, ponho vestidos noturnos,
- que amargamente inventei.
E, enquanto não me descobres, os mundos vão navegando nos ares certos do tempo, até não se sabe quando…
e um dia me acabarei.
( Cecília Meireles )
*
Primeiro Motivo da Rosa
Vejo-te em seda e nácar, e tão de orvalho trêmula, que penso ver, efêmera, toda a Beleza em lágrimas por ser bela e ser frágil.
Meus olhos te ofereço: espelho para face que terás, no meu verso, quando, depois que passes, jamais ninguém te esqueça.
Então, de seda e nácar, toda de orvalho trêmula, serás eterna. E efêmero o rosto meu, nas lágrimas do teu orvalho… E frágil.
(