Platão
Cláudio William Veloso**
RESUMO
A questão deste artigo é simples: como considerar a primeira cidade que aparece no segundo livro da República de Platão e que Sócrates chama de ‘cidade verdadeira’ (alethinè pólis)? Procura-se mostrar que ela deve ser tomada seriamente. Na apresentação da primeira cidade há sim uma referência à tradição mítica da “Idade do Ouro”, mas Platão refere-se a ela fazendo o contraponto. O artigo indica ainda algumas possíveis conseqüências dessa interpretação.
Palavras-chave: Platão, República, cidade verdadeira, tradição mítica da Idade do Ouro, tripartição da alma.
ABSTRACT
The point of this paper is simple: how to consider the first city that appears in Book 2 of Plato’s Republic, which Socrates calls the “true city” (alethine polis)? I aim at showing that we must take it seriously. In the presentation of the first city there is a reference to the mythical tradition of the “Golden Age”, but Plato refers to it so as make a counterpoint to the “true city”. In addition I point out some possible consequences of that interpretation.
Key words: Plato, Republic, true city, mythical tradition of the Golden Age, tripartion of the soul.
Confesso que provo sempre um certo embaraço em tratar de Platão em público, e não só por ele não ser meu principal objeto de estudo. Como escrevi certa vez1 , já cheguei a achar impossível —pelo menos para mim— dizer algo de sensato e não óbvio acerca desse autor. O fato de voltar a falar dele indica que não penso mais assim, mas continuo convencido de que Platão é um “perverso”, como ouvi Luc Brisson dizer uma vez, e o que pretendo mostrar aqui o confirma. De todo modo, sinto-me no dever de justificar o presente trabalho. Ele nasceu casualmente. Ao estudar as “figuras da linguagem” em Aristóteles, quis reler o livro III da República e, procurando contextualizar a abordagem da narração e da imitação, que se insere na da