Palavras de La Boetie
Arqueologia da violência pesquisas de antropologia política
Prefácio de Bento Prado Jr. | Tradução de Paulo Neves
Publicado em 1980 | Edição brasileira de 2004
Editora Cosac & Naify
Liberdade, Mau encontro, Inominável*
Pensamento mais livre que o de Étienne de La Boétie não é, com certeza, freqüente encontrar. Firmeza singular de um propósito de jovem ainda adolescente: mas por que não um Rimbaud do pensamento? Audácia e gravidade de uma interrogação evidentemente acidental: que irrisão tentar explicá-lo pelo século, rebaixar esse olhar altaneiro — insuportável — ao círculo fechado e sempre traçado dos acontecimentos! Quantos mal-entendidos, desde o Contra um** dos reformadores! Não é certamente a referência a qualquer determinismo histórico
(circunstâncias políticas do momento, pertença a uma classe social) que conseguirá desarmar a virulência sempre ativa do Discurso, desmentir a afirmação essencial da liberdade que o fundamenta e o anima. A história local e momentânea mal chega a ser, para La Boétie, ocasião, pretexto: nele não há nada do panfletário, do publicista, do militante. Sua agressão tem um alcance muito maior: ele coloca uma questão totalmente livre porque absolutamente liberada de toda "territorialidade" social ou política, e é exatamente porque sua questão é trans-histórica que somos capazes de entendê-la. Como é possível, pergunta La Boétie, que a maioria obedeça a um só, não apenas lhe obedeça mas o sirva, não apenas o sirva mas queira servi-lo?
A natureza e o alcance de tal questão excluem de saída que se possa reduzi-la a essa ou àquela situação histórica concreta. A possibilidade mesma de formular uma interrogação tão destrutiva remete, simples mas heroicamente, a uma lógica dos contrários: se sou capaz de me espantar que a servidão voluntária seja a invariante comum a todas as sociedades, a minha mas também aquelas sobre as quais me informam os livros (com exceção,