OTELO 2
William Shakespeare
Tradução: Maria Sílvia Betti
Folias d’Arte
2003
OTELO, O MOURO DE VENEZA
CENA I
Veneza.Uma rua.
Entram RODRIGO e IAGO.
RODRIGO - Chega! Não tente me fazer acreditar nisso. É muito cruel que justamente você, Iago, que tem acesso ao meu dinheiro como se fosse seu, tenha conhecimento desta história toda.
IAGO – Porra, você não me escuta! Quero ser objeto de abominação pública se alguma vez cheguei a sonhar com semelhante coisa!
RODRIGO – Você dizia que tinha ódio dele.
IAGO – Pois que eu seja maldito se não tinha! Três poderosos da cidade foram até ele de chapéu na mão pedir que eu fosse escolhido como tenente; sei muito bem do meu valor e sei que não mereço posto inferior a esse.Mas ele, orgulhoso e preso aos seus próprios propósitos,se saiu com frases empoladas, terrivelmente cheias de chavões da vida militar, e dispensou os meus padrinhos, dizendo‘Já escolhi o meu oficial’. E que tipo de homem era?
Não passava de um contabilista,um certo Miguel Cássio, um florentino, um tipo desses que quase chegam a se dar mal por causa de uma bela mulher, que nunca na vida comandou um esquadrão, que não conhece as divisões de uma frente de combate mais do que qualquer costureira e que só tem o conhecimento livresco das teorias, esse conhecimento sobre o qual os doutores togados podem argumentar tão bem quanto ele próprio. Não passa de conversa sem base prática. Essa é toda a bagagem de conhecimento bélico que ele tem. No entanto, meu senhor, o escolhido foi ele; e eu, que dei provas de minha habilidade prática em Rodes, em Chipre, e em outros campos de batalha cristãos e gentios, devo ficar para trás e ser preterido por ele, que não passa de um teórico, de um guarda-livros. Este contador, com essa maré favorável, deve tornar-se o segundo tenente,enquanto eu, puta que o pariu, devo me contentar em carregar o estandarte de sua Crioulidade.
RODRIGO – Juro que eu preferiria ter sido o carrasco dele.