Os Museus tem sentimentos de culpa
LUCINDA CANELAS
20/10/2014 - 07:25A pergunta foi feita para inquietar: “Podemos descolonizar os museus?” Num congresso com portugueses, espanhóis e latino-americanos, a resposta foi óbvia. Mas como é que isso se faz? Com uma estratégia de proximidade, criando museus em que a jóia de um rei é tão importante como um pneu velho ou a fotografia de um avô que poucos conhecem e foi morto pela ditadura.
António Pinto Ribeiro começou com uma provocação: “Os museus ou são pós-coloniais ou não são nada.” À sua frente, no auditório do 8.º Encontro Ibero-americano de Museus (Lisboa, 13 a 15 de Outubro), sentavam-se portugueses, espanhóis e latino-americanos com responsabilidades no património.
O museu, continuou este ensaísta com formação em Filosofia e Estudos Culturais que hoje dirige o Programa Gulbenkian Próximo Futuro, começou por ser a instituição que “materializava a ocupação colonial do resto do mundo e a sua posse”, “arquivo ilustrado do poder” e “lugar de estabilidade das classificações e hierarquizações disciplinadas das raças e das espécies e dos cânones artísticos”, mas hoje precisa de se reinventar. “Podemos descolonizar os museus?”, perguntou, para responder em seguida: “Podemos. Devemos.” Mas como? E de que descolonização falamos? Da que se refere apenas aos impérios europeus?
“Descolonizar” aqui passa, sobretudo, pela releitura dos acervos dos museus ocidentais, muitos deles constituídos quando o mundo estava ainda dividido em impérios coloniais centenários, mas também pela abertura às comunidades onde estão instalados, tenham ou não uma ambição nacional.
Na sala, a ouvir Pinto Ribeiro, esteve Javier Royer Rezzano, coordenador do Sistema Nacional de Museus do Uruguai, que entende o termo num sentido lato. Para Rezzano, “descolonizar” passa pela libertação da perspectiva imperial dos acervos, mas também por uma versão de luta de classes dentro do museu, para o tornar mais inclusivo e o aproximar das comunidades