os mortos e os outros
Ana Eduarda Diehl
No capítulo VIII do livro os mortos e os outros, Manuela Carneiro Cunha estabelece uma relação entre a teoria acerca dos cultos ancestrais pela antropologia britânica e a posição dos Krahó frente a essa questão.
Segundo Meyer Fortes, o culto dos ancestrais é uma projeção culturalmente padronizada no plano místico do emaranhado de ligações, reciprocidades, tensões e antagonismos submersos que ligam pais e filhos uns aos outros enquanto em vida, sendo que os pais mortos são o protótipo dos ancestrais. (pag. 136) Nesse caso, o culto dos ancestrais estaria diretamente vinculado à manutenção do sistema de linhagens.
O caso dos krahó exposto por Manuela Carneiro, no entanto, serve de contraponto a esse pressuposto, já que o grupo não possui linhagens, e, consequentemente, não cultua os ancestrais. Ao contrário das tribos estudadas pelos britânicos, dentro de um contexto krahó a morte se dá como uma espécie de destruição do corpo. Tudo concorre para apontar a absoluta estranheza que caracteriza o morto. Ele se tornou “outro”, e seus bens, pelo menos o que chamaríamos de pessoais, adquirem juntamente com ele esse atributo de alteridade.(pag. 134)
A correlação entre sentimentos, linhagens e ancestrais criada pela antropologia social britânica não se dá isenta de cortes, pois seria necessário isolar os fenômenos nucleares e tomar o restante dentro de uma condição atípica.
O poder das genealogias, empregado pelos britânicos e pela nossa sociedade, reside na identificação da identidade pela origem. No caso dos Krahó, entretanto, as genealogias são secundárias para a identificação. Os mortos são tão radicalmente opostos aos vivos que não é possível reparar completamente a cisão criada na genealogia pela morte de um ascendente. (pag. 140).