OS DONOS DO PODER
Raymundo Faoro
Capítulo Final. A viagem redonda: do patrimonialismo ao estamento
Capítulo Final. A viagem redonda: do patrimonialismo ao estamento
De D. João I a Getúlio Vargas, numa viagem de seis séculos, uma estrutura político-social resistiu a todas as transformações fundamentais, aos desafios mais profundos, à travessia do oceano largo. O capitalismo politicamente orientado – o capitalismo político, ou o pré-capitalismo –, centro da aventura, da conquista e da colonização moldou a realidade estatal, sobrevivendo e incorporando na sobrevivência, o capitalismo moderno, de índole industrial, racional na técnica e fundado na liberdade do indivíduo – liberdade de negociar, de contratar, de gerir a propriedade sob a garantia das instituições. A comunidade política conduz, comanda, supervisiona os negócios, como negócios privados seus, na origem, como negócios públicos depois, em linhas que se demarcam gradualmente. O súdito, a sociedade, se compreendem no âmbito de um aparelhamento a explorar, a manipular, a tosquiar nos casos extremos. Dessa realidade se projeta, em florescimento natural, a forma de poder, institucionalizada num tipo de domínio: o patrimonialismo, cuja legitimidade assenta no tradicionalismo – assim é, porque sempre foi. O comércio dá o caráter à expansão, expansão em linha estabilizadora, do patrimonialismo, forma mais flexível do que o patriarcalismo e menos arbitrária que o sultanismo (cap. I, nº 3). No molde comercial da atividade econômica se desenvolveu a lavoura de exportação, da colônia à República, bem como a indústria, seja no manufaturismo pombalino, no delírio do encilhamento, quer nas estufas criadas depois de 1930. Sempre, no curso dos anos sem conta, o patrimonialismo estatal, incentivando o setor especulativo da economia e predominantemente voltado ao lucro como jogo e aventura, ou, na outra face, interessado no desenvolvimento econômico sob o comando político, para satisfazer imperativos ditados pelo