Os donos do poder
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Outras obras do autor: Machado de Assis: A Pirâmide e o Trapézio / Existe um
Pensamento Político Brasileiro?
Raymundo Faoro
Os D o n o s d o P o d e r
FORMAÇÃO
DO
POLÍTICO
PATRONATO
BRASILEIRO
3. a edição, revista, 2001
GLOBO
num engano que o calendário antecipou.
3
As
INQUIETAÇÕES URBANAS,
as angústias européias da elite, a sede de
mando de civis e militares, a demagogia inquieta e impaciente — tudo se amortece e paralisa diante de uma muralha apagada e inerte. O senhor da soberania, o povo que vota e decide, cala e obedece, permanece mudo ao apelo à sua palavra. O bacharel reformista, o militar devorado de ideais, o revolucionário intoxicado de retórica e de sonhos, todos modernizadores nos seus propósitos, têm os pés embaraçados pelo lodo secular. Os extraviados cedem o lugar, forçados pela mensagem da realidade, aos homens práticos, despidos de teorias e, não raro, de letras. No campo, no distrito, no município, o chefe político, o coronel tardo e solene, realista e autoritário, amortece, na linguagem corrente, o francês mal traduzido e o inglês indigerido. Ele municipaliza a expressão erudita, comunicando-lhe, de seu lado, sentido e conteúdo, converte o freio jurídico do governo no buçal caboclo. Os números iludem e escondem os fatos. Entre o crescimento da sociedade e a participação política, há que contar com os efeitos retardadores do sistema, tradicionalmente operantes sobre a realidade.
A população brasileira passou dos 10 milhões de 1872 para 14 milhões em 1889, com 20 milhões em 1905, 27 no ano de 1920 e 34 no começo de 1931. Nas cidades (mais de 30.000 habitantes) residem 31% em
1872 da população, 24% em 1890, 36% em 1900 e 51% em 1920.70
Aqui, o engano maior: os homens da cidade não exercem, na totalidade, funções urbanas. Com o predomínio das atividades da agricultura e da pecuária, há uma faixa instável, rurbana,