Oitava aula - os anormais
A feiticeira subscreve a troca, firma o pacto, no fundo, ela é um sujeito jurídico. É a esse título que poderá ser punida. Na possessão a vontade é carregada de todos os equívocos do desejo. A vontade quer e não quer.
O corpo da feiticeira é capaz de transportar e ser transportado; é capaz de se transportar ou ser transportado; fica invisível também. Ou seja, é afetado por uma espécie de transmaterialidade. Também é caracterizado pelo fato de que é sempre portador de marcas, que são manchas, zonas de insensibilidade, e que constituem, todas elas, como que assinaturas do demônio. É o método em que o demônio pode reconhecer os seus, e é também, inversamente, o meio pelo qual os inquisidores, a gente da Igreja, os juízes podem reconhecer que se trata de uma feiticeira. O corpo da feiticeira goza de prestígios que lhe permitem participar da potência diabólica, que lhe permitem, por conseguinte, escapar dos que a perseguem.
O corpo da possuída é bem diferente. No fundo, é um corpo fortaleza investida e sitiada. Corpo-cidadela, corpo-batalha: batalha entre o demônio e a possuída que resiste; batalha entre o que, na possuída, resiste e essa parte dela mesma, ao contrário, que consente e trai; batalha entre demônios, os exorcistas, os diretores e a possuída, que ora os ajuda, ora os trai, ficando ora do lado do demônio pelo jogo dos prazeres, ora do lado dos diretores e dos exorcistas por meio de suas resistências. É tudo isso que constitui o teatro somático da possessão.
Além do mais esse combate tem sem dúvida sua assinatura, mas não é de modo algum a marca que encontramos nas feiticeiras. É algo bem diferente, é um elemento que vai ter, na história médica e religiosa do Ocidente, uma importância capital: A CONVULSÃO.
A convulsão é a forma plástica e visível do combate no corpo da possuída. Sua performance física pode ser encontrada em aspectos dos fenômenos de convulsão como a rigidez, o arco de círculo, a insensibilidade às pancadas.