não sei se sei
Aí à beira da estrada,
Que te diz o vento que passa?"
"Que é vento, e que passa,
E que já passou antes,
E que passará depois.
E a ti o que te diz?"
"Muita cousa mais do que isso.
Fala-me de muitas outras cousas.
De memórias e de saudades
E de cousas que nunca foram."
"Nunca ouviste passar o vento.
O vento só fala do vento.
O que lhe ouviste foi mentira,
E a mentira está em ti."
XX
O Tejo é mais belo que o rio que corre pela minha aldeia,
Mas o Tejo não é mais belo que o rio que corre pela minha aldeia Porque o Tejo não é o rio que corre pela minha aldeia.
O Tejo tem grandes navios
E navega nele ainda,
Para aqueles que vêem em tudo o que lá não está,
A memória das naus.
O Tejo desce de Espanha
E o Tejo entra no mar em Portugal.
Toda a gente sabe isso.
Mas poucos sabem qual é o rio da minha aldeia
E para onde ele vai
E donde ele vem.
E por isso, porque pertence a menos gente,
É mais livre e maior o rio da minha aldeia.
Pelo Tejo vai-se para o mundo.
Para além do Tejo há a América
E a fortuna daqueles que a encontram.
Ninguém nunca pensou no que há para além
Do rio da minha aldeia.
O rio da minha aldeia não faz pensar em nada.
Quem está ao pé dele está só ao pé dele.
Observação: no poema XX, a oposição entre o mundo imaginado (o Tejo) e o mundo real (o rio que corre pela minha aldeia), entre o imaginário e o real, constrói-se através de uma linguagem poética próxima da prosa. A construção anafórica (reiteração de O Tejo...) equilibra-se pela sucessão de epístrofes (repetições de fim de verso: "pela minha aldeia", nos três primeiros versos, e "o rio da minha aldeia"). Apesar da aparente simplicidade, há uma arquitetura equilibrada e complexa nas relações ocultas sobre as quais se sustenta a oposição mundo real e mundo imaginado.
XXIV
O que nós vemos das cousas são as cousas.
Por que veríamos nós uma cousa se houvesse outra?
Por que é que ver e ouvir seriam iludirmo-nos