nuer hoje
Beatriz Perrone-Moisés
Professora do Departamento de Antropologia – USP
RESUMO: Em março de 2000, foi assinado no Sudão meridional um tratado de paz entre os Dinka e os Nuer. As formas da guerra civil que se estendia por décadas, bem como as soluções acordadas, descritas pela imprensa e nos próprios documentos, adquirem pleno sentido quando se consideram as penetrantes análises de Evans-Pritchard acerca dos Nuer. Persistentes ao longo das décadas, as estruturas nuer reveladas em suas obras passam pelo “teste da história”, permitindo inclusive retomar suas contribuições à reflexão acerca da relação entre estrutura e história.
PALAVRAS-CHAVE: Nuer, Dinka, Sudão meridional, Evans-Pritchard, estrutura, história.
Num dia de março de 1999, um avião pousa num lugarejo chamado
Wunlit, no Sudão meridional. Em terra, um homem alto e magro sorri e toma nos braços o líder dos visitantes, “seu inimigo”. O recémchegado retribui o abraço, colocando sua mão sobre o coração do outro.
Assim começa uma reportagem publicada pelo Washington Post, a 7 de julho de 1999, acerca de uma conferência de paz numa região africana tomada pela guerra havia anos. Os chefes que se abraçam são Madut
Aguer Adel e Isaac Magok Galtuak. O primeiro é Dinka, o segundo,
Nuer. Seu encontro marca o início de uma conferência que levaria a um acordo de paz2.
Quando Evans-Pritchard fez sua pesquisa entre os Nuer, entre 1930 e 1936, informava que eram aproximadamente 200 mil, vivendo ao sul da confluência do Nilo com o Sobat e o Bahr el Ghazal, na então colônia
BEATRIZ PERRONE-MOISÉS. CONFLITOS RECENTES, ESTRUTURAS PERSISTENTES
britânica do Sudão (1940: 3). Dizia, na mesma passagem, que sua semelhança com os vizinhos e inimigos Dinka era notável, que reconheciam ambos sua origem comum, e que não se conhecia “a história de sua divergência” (idem). Os Nuer continuam na mesma região, agora pertencente ao Sudão