Nietzsche Devoto de Dioniso
Vinicius Nesi
INTRODUÇÃO
Estirpe miserável e efêmera, filhos do acaso e do tormento! Por que me obrigas a dizer-te o que seria para ti mais salutar não ouvir? O melhor de tudo é para ti inteiramente inatingível: não ter nascido, não ser, nada ser. Depois disso, porém, o melhor para ti é logo morrer. (NIETZSCHE, 2010a, p. 33)
Ao prorromper essas palavras aos risos, Sileno, a divindade silvestre companheira de Dioniso, também anunciava uma sabedoria que acompanhou, mesmo que de pano de fundo, toda a obra de Nietzsche. É essa sabedoria dionisíaca que busquei sustentar como sendo um traço fundamental de uma pensamento que sofreu transformações, mas nem por isso abandonou a verdade do vir-a-ser da existência. Nietzsche, em seus primeiros trabalhos, afirmou a existência de duas divindades para dar conta da forma e do fluxo, peculiares a sua interpretação da vida:
Apolo representa o princípio da individuação a partir do qual todas as coisas ganham forma na multiplicidade da aparência; Dioniso simboliza o Uno primordial, o fundo amorfo que reúne todas as coisas sobre si. (LUCCHESI, 1996, p. 58)
Deixando Apolo um pouco de lado e afirmando a devoção de Nietzsche a Dioniso, até porque, seguindo as indicações de Lucchesi, Nietzsche abandona essa dicotomia metafísica, Apolo-Dioniso, pois na sua obra madura “o conceito de Dioniso abarca o princípio da unidade-múltipla. Dioniso passa a ser o ‘deus bifronte’ que simboliza a unidade dos contrários. Dioniso é tanto o deus da forma, da medida e da criação, quanto o deus do delírio, da embriaguez e da destruição” (LUCCHESI, 1996, p. 60). O que vemos no filósofo, desde sua interpretação da tragédia ática, passando pelas anotações sobre os pré-socráticos, bem como por sua defesa da ciência, para culminar em um Nietzsche poeta do Zaratustra, é que a certeza dionisíaca se mantém: a pressuposição de que “a vida é irracionalidade cruel e cega, dor e destruição” (REALE; ANTISERI, 2005, p. 16)