napoleao bonaparte
(Carlos Drummond de Andrade)
O sotaque das mineiras deveria ser ilegal, imoral ou engordar. Porque, se tudo que é bom tem um desses horríveis efeitos colaterais, como é que o falar lindo (das mineiras) ficou de fora?
Mineira deveria nascer com tarja preta avisando: ouvi-la faz mal à saúde. Se uma mineira, falando mansinho, me pedir para assinar um contrato doando tudo qu e tenho, sou capaz de perguntar: só isso?
Assino achando que ela me faz um favor.
Eu sou suspeitíssimo. Confesso: esse sotaque me desarma. Os mineiros têm um ódio mortal das palavras completas.
Preferem abandoná-las no meio do caminho, não dizem: pode parar, dizem: 'pó parar'.
Não dizem: onde eu estou?, dizem: 'ôncôtô'.
Os não-mineiros, ignorantes nas coisas de Minas, supõem, precipitada e levianamente, que os mineiros vivem lingüisticamente falando, apenas de uais, trens e sôs.
Digo-lhes que não(...)
Mineiras não usam o famosíssimo 'tudo bem'.
Sempre que duas mineiras se encontram, uma delas há de perguntar pra outra:
- 'Cê tá boa?'.
Para mim, isso é pleonasmo.
Perguntar para uma mineira se ela tá boa é desnecessário.
Há outras. (...)
- 'Aqui', não vou dar conta de chegar na hora, não.
Esse 'aqui' é outro que só tem aqui(...)
Que os mineiros não acabam as palavras, todo mundo sabe.
É um tal de 'bonitim', 'fechadim', e por aí vai.
Já me acostumei a ouvir:
- E aí, 'vão?'. Traduzo:
- E aí, vamos?
Não caia na besteira de esperar um 'vamos' completo de uma mineira.
Não ouvirá nunca.
Eu preciso avisar à língua portuguesa que gosto muito dela, mas prefiro, com todo respeito, a mineira.
Nada pessoal.
Aqui certas regras não entram.
São barradas pelas montanhas.
Por exemplo, em Minas, se você quiser falar que precisa ir a um lugar, vai dizer:
- Eu preciso 'de' ir.
Onde os mineiros arrumaram esse 'de', aí no meio, é uma boa pergunta.
Só não me perguntem. Mas que ele existe, existe(...)
Aqui em Minas ninguém precisa ir a lugar nenhum.