Na china não é bem assim
Aquela não seria uma sexta-feira como outra qual-
quer para a família Lemos em Pequim. A matriz bra-
sileira definiu um prazo para uma resposta e João
Lemos, o gerente-geral da fábrica da Embraco na
China, sabia que não poderia passar daquele dia a
conversa com a mulher e as filhas. O assunto poderia
estragar o final de semana, mas era preciso avisar a
família que eles teriam que mudar de um lado para
outro da cidade, mais de 50 quilômetros de distância.
E as escolas das crianças? Com certeza, esta seria a
primeira pergunta da mulher.
Esta resposta estava longe de ser a mais difícil que
João teria de dar naquela primeira sexta-feira do mês
de outubro de 2004. Ele deveria, naquele dia, tam-
bém concluir o relatório definindo sua posição sobre
a proposta de mudança de fábrica de compressores
da Embraco, da região sul da capital chinesa no ter-
ceiro anel de Pequim, para o lado norte da cidade, na
zona industrial perto do aeroporto.
João sabia que deveria fazer essa mudança sem in-
terromper a produção, seria impossível parar as má-
quinas, com as entregas previstas e programadas.
João também sabia que poucos operários aceitariam
a mudança e os que ficassem na fábrica a ser fecha-
da teriam que continuar a trabalhar até que a fábrica
nova estivesse pronta. O que dizer para eles? E o
pessoal que trabalhava com ele no escritório, como
contar que a vida deles iria mudar tanto? E pior, seria
mesmo um bom negócio confiar no sócio chinês, e
aceitar a mudança que multiplicaria tanto e tão rápi-
do a produção?
Na frente do espelho, fazendo a barba, João riu com
cuidado para não se cortar quando descobriu que só
tinha uma certeza nisso tudo: essa situação é a do
sujeito que deve trocar o pneu com o carro andando,
dizem que é impossível, mas ele sussurrou: “eu vou
ter de fazer”. Lavou o rosto e parecia que a decisão
estava tomada: no relatório vou