Multilateralismo na Política Externa Brasileira: um novo papel no século XXI
Cíntia Vieira Souto
A política externa brasileira possui uma organicidade e uma tradição singulares no plano latinoamericano. Contextos de instabilidade política1 e mudanças radicais na orientação governamental não abalaram substancialmente as poderosas linhas de continuidade que se irradiam da década de 1930, quando se inaugurou a política externa para o desenvolvimento. Isso deve-se, entre outros fatores, ao habilidoso manejo das relações bilaterais e multilaterais ao longo de todo esse período. É impossível caracterizar nossa política externa sem dissecar a relação do bilateralismo com o multilateralismo, bem como o significado de cada um para a formulação da mesma.
Essas relações eram bastante claras até a crise do
“nacionalismo de fins”. Desde a estréia do Brasil em foros multilaterais, na Conferência de Haia em 1907, e ao longo de todo o período da política externa para o desenvolvimento as relações multilaterais foram acessórias das bilaterais.
Recentemente, com a “crise de paradigmas”4, houve uma mudança qualitativa importante nessas relações. Com a
“internalização” do mundo, na definição de Celso Lafer5 as relações bilaterais perderam seu protagonismo em relação às multilaterais. É essa mudança que pretendemos analisar no presente texto.
Com respeito ao tema convém desfazer uma confusão no que diz respeito aos termos multilateralização e multipolarização. Multilateralização significa um aumento substantivo nas relações multilaterais. Esse termo, muitas vezes é utilizado como sinônimo de multipolarização, que corresponde a um aumento de parcerias no plano bilateral. Um bom exemplo é o governo Geisel. Os acontecimentos do início da década de 1970 –
e seus reflexos no plano brasileiro – possibilitaram que os formuladores da política externa brasileira promovessem uma ampliação de parcerias estratégicas. O enfraquecimento da
potência