Metonímia, ou a vingança do enganado
Quadro II
Claro, não era justo que a jovem esposa depois de recondicionada graças às finanças do marido tirasse vantagens dessa nova situação de mulher bonita, em prejuízo do supradito marido. Não era justo, mas este mundo vive de injustiças. E o sargento – quer fosse do Exército, da Aeronáutica, da Marinha ou dos Fuzileiros (não digo certo, firme no meu propósito de evitar identificação) -, o sargento era simpático, era musculoso, era jovem, era formidavelmente marcial dentro da farda justa ao peito, o andar elástico, a fala ríspida habituada ao comando. Aconteceu que, um belo dia, servia a dama ao balcão (segundo era costume do casal, enquanto o marido almoçava), quando sobreveio o sargento. O que houve, o que não houve? Hoje é difícil reconstituir. Parece que ele pediu um maço de cigarros. Depois queria um vermute. Por fim pediu para escutar o noticiário esportivo no rádio que tocava perto do balcão. Seria pretexto para se demorar ali, mas a moça consentiu. É difícil negar favores a sargentos, mormente um sargento daqueles. Contudo, naquele dia, além disso ele não pediu mais que olhares. Ou no máximo disse algumas palavras, mas murmurada tão baixo que a não ouviu o resto da freguesia presente, sempre atenta a mexericos. Com três almoços o namoro pegara firme. E seguindo-se aos almoços uma gripe do marido, os dois caminharam muito além do namoro. Como se encontravam, onde e a que horas, não se apurou. Basta que se diga que eles se amaram de amor proibido, como Tristão e Isolda, como Paolo e Francesca. E o destino, que não gosta de amores ilegais, costuma castigá-los com maus fados, fez a sua segunda intervenção: suscitou a transferência do sargento.
*** Diz que só quem ama conhece a dor da separação. Os bonitos olhos da moça incharam de tanto choro. O apetite diminuiu. Já lhe transparecia, por sob o rouge da face, a antiga cara de tísica. E há de ter sido esse desgosto assim alardeado com pranto e fastio, que