Medo líquido por zygmunt bauman
Introdução : Sobre a origem, a dinâmica e os usos do medo
O medo tem muitos olhos E enxerga coisas no subterrâneo. Não é preciso uma razão para ter medo... Fiquei amedrontado, mas é bom ter medo sabendo por quê... Émile Ajar (Romain Gary), La vie en soi
Permitam-me afirmar minha crença inabalável de que a única coisa que devemos temer é o próprio medo. Franklin Delano Roosevelt, Discurso de posse, 1933
Bizarro, embora muito comum e familiar a todos nós, é o alívio que sentimos, assim como o súbito influxo de energia e coragem, quando, após um longo período de desconforto, ansiedade, pre- monições sombrias, dias cheios de apreensão e noites sem sono, finalmente confrontamos o perigo real: uma ameaça que podemos ver e tocar. Ou talvez essa experiência não seja tão bizarra quanto parece se, afinal, viermos a saber o que estava por trás daquele sentimento vago, mas obstinado, de algo terrível e fadado a acontecer que ficou envenenando os dias que deveríamos estar aproveitando, mas que de alguma forma não podíamos – e que tornou nossas noites insones... Agora que sabemos de onde vem o golpe, também sabemos o que possamos fazer, se há algo a fazer, para afastá-lo – ou pelo menos aprendemos como é limitada nossa capacidade de emergir incólumes e que tipo de perda, dano ou dor seremos obrigados a aceitar. Todos nós já ouvimos histórias de covardes que se transformaram em intrépidos guerreiros quando confrontados com um “perigo real”; quando o desastre que tinham esperado, dia após dia, mas em vão tentavam imaginar, finalmente ocorreu. O medo é mais assustador quando difuso, disperso, indistinto, desvinculado, desancorado, flutuante, sem endereço nem motivo claros; quando nos assombra sem que haja uma explicação visí- vel, quando a ameaça que devemos temer pode ser vislumbrada em toda parte, mas em lugar algum se pode vê-la. “Medo” é o nome que damos a nossa incerteza: nossa ignorância da ameaça e do que deve ser feito