Madame Bovary

726 palavras 3 páginas
Quanto mais próximas lhe ficavam as coisas, mais o seu pensamento se afastava delas. Tudo o que a rodeava de perto, os campos enfadonhos, os burguesinhos imbecis, a mediocridade da existência, parecia-lhe uma exceção no mundo, um caso particular em que se achava envolvida, ao passo que para além se estendia, a perder de vista, o imenso país da felicidade e das paixões. Confundia, no desejo, a sensualidade do luxo com as alegrias do coração, a elegância dos hábitos com a delicadeza dos sentimentos. Acaso não necessita o amor, como certas plantas, terreno preparado, temperatura especial? (…)

Charles gozava de boa saúde e tinha ótimo aspecto; a sua reputação estava definitivamente firmada. Os camponeses gostavam dele porque não era orgulhoso. Agradava as crianças, não entrava nunca nas tabernas e, além disso, inspirava confiança pela sua conduta. (…)

(…) Charles, porém, não tinha ambições! Um médico de Yvetot, com quem se encontrara em conferência, humilhara-o um pouco, na própria cabeceira do doente e na presença dos parentes reunidos. Quando Charles contou, à noite, esse fato, Emma exaltou-se em voz alta contra o colega. Charles sentiu-se enternecido com isso e deu-lhe um beijo acompanhado de uma lágrima. Ela, porém, estava exasperada de vergonha; a sua vontade era de espancá-lo, mas se levantou, dirigiu-se ao corredor, abriu a janela e aspirou o ar fresco, para se acalmar.

- Pobre-diabo! Pobre-diabo! – dizia ela em voz baixa, mordendo o lábio.

Sentia-se cada vez mais irritada. A idade ia-o tornando pesadão; à sobremesa divertia-se em cortar as rolhas das garrafas vazias e, depois de comer, passada a língua pelos dentes, ao engolir a sopa, fazia um gorgolejo em cada gole e, como começasse a engordar, os olho, já por si tão pequenos, pareciam ter sido empurrados pelas bochechas.

Emma, às vezes, metia-lhe para dentro do colete a fralda vermelha da camisa, arrumava-lhe a gravata ou punha fora as luvas desbotadas, que ele pretendia calçar; e isso não era

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