lusiadas
Reflexões do poeta
Quão doce é o louvor e a justa glória
Dos próprios feitos, quando são soados!
Qualquer nobre trabalha que em memória
Vença ou iguale os grandes já passados.
As envejas da ilustre e alheia história
Fazem mil vezes feitos sublimados.
Quem valerosas obras exercita,
Louvor alheio muito o esperta e incita.
Não tinha em tanto os feitos gloriosos
De Aquiles, Alexandro na peleja,
Quanto de quem o canta, os numerosos
Versos: isso só louva, isso deseja.
Os troféus de Milcíades1, famosos,
Temístocles2 despertam só de enveja;
E diz que nada tanto o deleitava
Como a voz que seus feitos celebrava.
Trabalha por mostrar Vasco da Gama
Que estas navegações que o mundo canta
Não merecem tamanha glória e fama
Como a sua, que o céu e a terra espanta.
Si, mas aquele Herói que estima e ama
Com does, mercês, favores e honra tanta
A lira Mantuana3, faz que soe
Eneias, e a Romana glória voe.
Dá a terra Lusitana Cipiões4,
Césares, Alexandres e dá Augustos;
Mas não lhe dá, contudo, aqueles Does
Cuja falta os faz duros e robustos.
Octávio5, entre as maiores opressões
Compunha versos doutos e venustos6;
Não dirá Fúlvia7, certo, que é mentira,
Quando a deixava António por Glafira.
Vai César sojugando toda a França
E as armas não lhe impedem a ciência;
Mas nua mão a pena e noutra a lança,
Igualava de Cícero a eloquência.
O que de Cipião se sabe e alcança
É nas comédias grande experiência.
Lia Alexandro a Homero de maneira
Que sempre se lhe sabe à cabeceira.
Enfim, não houve forte capitão
Que não fosse também douto e ciente,
Da Lácia, Grega ou Bárbara nação,
Senão da Portuguesa tão somente.
Sem vergonha o não digo, que a rezão
D’algum não ser por versos excelente,
É não se ver prezado o verso e a rima,
Porque quem não sabe arte, não na estima.
Por isso, e não por falta de Natura,
Não há também Virgílios nem Homeros;
Nem haverá, se este costume dura,
Pios Eneias, nem Aquiles