Livro O Demónio Familiar
José de Alencar
PERSONAGENS
CARLOTINHA
HENRIQUETA
EDUARDO
PEDRO
JORGE
ALFREDO
AZEVEDO
D. MARIA
VASCONCELOS
ATO PRIMEIRO
Em casa de EDUARDO. Gabinete de estudo.
CENA PRIMEIRA
CARLOTINHA, HENRIQUETA
CARLOTINHA - Mano, mano! (Voltando-se para a porta.) Não te disse? Saiu! (Acenando.) Vem, psiu, vem!
HENRIQUETA - Não, ele pode zangar-se quando souber.
CARLOTINHA - Quem vai contar-lhe? Demais, que tem isso? Os homens não dizem que as moças são curiosas?
HENRIQUETA - Mas, Carlotinha, não é bonito uma moça entrar no quarto de um moço solteiro.
CARLOTINHA - Sozinha, sim; mas com a irmã não faz mal.
HENRIQUETA - Sempre faz.
CARLOTINHA - Ora! Estavas morrendo de vontade.
HENRIQUETA - Eu não; tu é que me chamaste.
CARLOTINIIA - Porque me fazias tantas perguntinhas, que logo percebi o que havia aqui dentro.
(No coração.)
HENRIQUETA - Carlotinha!...
CARLOTINHA - Está bom, não te zangues.
HENRIQUETA - Não; mas tens lembranças!
CARLOTINHA - Que parecem esquecimentos, não é? Esquecia-me que não gostas que adivinhem os teus segredos.
HENRIQUETA - Não os tenho.
CARLOTINHA - Anda lá!... Oh! meu Deus! Que desordem! Aquele moleque não arranja o quarto do senhor; depois mano vem e fica maçado.
HENRIQUETA - Vamos nós arranjá-lo?
CARLOTINHA - Está dito; ele nunca teve criadas desta ordem.
HENRIQUETA (a meia voz) - Porque não quis!
CARLOTINHA - Que dizes?... Cá está uma gravata.
HENRIQUETA - Um par de luvas.
CARLOTINHA - As botinas em cima da cadeira.
HENRIQUETA - Os livros no chão.
CARLOTINHA - Ah! Agora pode-se ver!
HENRIQUETA - Não abrimos a janela?
CARLOTINHA - É verdade. (Abre.)
HENRIQUETA - Daqui vê-se a minha casa; olha!
CARLOTINHA - Pois agora é que sabes? Nunca viste mano Eduardo nesta janela?
HENRIQUETA - Não; nunca.
CARLOTINHA - Fala a verdade, Henriqueta!
HENRIQUETA - Já te disse que não: se vi, não me lembra. Há tanto tempo que esta janela não se abre!
CARLOTINHA - Bravo! Depois não digas que são lembranças minhas.