literatura
O cânone brasileiro
Tecendo a manhã
João Cabral de Melo Neto
1
Um galo sozinho não tece uma manhã: ele precisará sempre de outros galos.
De um que apanhe esse grito que ele e o lance a outro; de um outro galo que apanhe o grito de um galo antes e o lance a outro; e de outros galos que com muitos outros galos se cruzem os fios de sol de seus gritos de galo, para que a manhã, desde uma teia tênue, se vá tecendo, entre todos os galos.
2
E se encorpando em tela, entre todos, se erguendo tenda, onde entrem todos, se entretendendo para todos, no toldo
(a manhã) que plana livre de armação. A manhã, toldo de um tecido tão aéreo que, tecido, se eleva por si: luz balão.
Psicologia da2 Composição
1
Esta Melo folha branca Neto
João
Cabral de Saio de meu poema me proscreve o sonho, como quem lava as mãos.
Algumas conchas
me incita ao verso nítido e preciso.
tornaram-se, que o sol da atenção
Eu me refugio
cristalizou; alguma palavra
nesta praia pura
que desabrochei,
onde nada existe
como a um pássaro.
em que a noite pouse.
Talvez alguma concha
Como não há noite
dessas (ou pássaro)
cessa toda fonte;
lembre,
como não há fonte
côncava, o corpo do gesto
cessa toda fuga;
extinto que o ar já
como não há fuga
preencheu;
nada lembra o fluir
talvez, como a camisa
de meu tempo, ao vento
vazia, que despi.
que nele sopra o tempo.
Psicologia da Composição
João Cabral de Melo Neto
3. Neste papel
Neste papel
pode teu sal
logo fenecem
virar cinza;
as roxas, mornas flores morais;
pode o limão
todas as fluidas
virar pedra; o sol da pele,
flores da pressa;
o trigo do corpo
todas as úmidas
virar cinza.
flores do sonho.
(Teme, por isso,
(Espera, por isso,
a jovem manhã
que a jovem manhã
sobre as flores
te venha revelar
da véspera.)
as flores da véspera.)
Psicologia da Composição
João Cabral de Melo Neto
4. O poema, com seus cavalos, quer explodir teu tempo claro; rompendo seu branco fio, seu cimento mudo e fresco.