Leia-me
Hoje é sábado. La-la-li-la-la-ri-la. Vou à casa de Dona Naná. Hoje tem samba. Pagode. Churrasco e muito fuá! O sol de rachar a cuca e o cheiro de esgoto, dos bairros sem saneamento básico, no ar.
Passei a semana toda me empanturrando de sofrimento alheio, de problemas universais. Preciso me limpar. Vai ser no samba. No baticundum que vou me desintoxicar.
Larga esse computador, ô menino. Larga esse livro. Vem cá no quintal, tem samba de roda, tem até berimbau. O bobó de camarão já está no fogo. A turma toda reunida. Falta Luzia.
– Ué cadê Luzia?
– Ta no aeroporto. Ta tudo parado por lá.
O filho de Robson nasceu. O quinto filho. A festa é para comemorar esse nascimento. O quinto netinho de Dona Naná, a matriarca. Cá, nesta casa, não há tabu. Todo mundo é irmão. Todo mundo é chegado.
– Êa, paulista!
– Fala ai, ô meu!
– Fala “porta” ai, cumpadi.
– Só se você falar “nimim”.
– Você é desses, né?
– Porra nenhuma, pivete, bó beber.
– Ô mulher, pega duas pirigueti ai, vá!
Clima de família. De pouco a pouco, todos esquecemos as mazelas sociais, nossas próprias mazelas. Neste lar de samba, cachaça, suor – e por que não? – dum pandeirinho, todos somos felizes. A vida é bela. É bonita e é bonita.
A comida está pronta. Cada um começa a se servir. Conversa daqui. Conversa de lá. Quem está comendo, fala de boca cheia: perdigoto com bobó de camarão disparados no ar. Um querendo falar mais que o outro. Falar mais alto que o samba.
Já anoiteceu. Alguns já embriagados falando sandices. Falando lubricidades para as mulatas que ainda dançam. Para as que passam. É tanta gente.
Já é madrugada. Alguns caídos pelos cantos, dormindo, roncando. Mil e uma latas de cerveja no chão. O dia termina com a sensação de que nossos problemas sequer existem. Amanhã a ressaca