O Debate Acerca do Estado Moderno - António Manuel Hespanha O que significa pôr a questão do “Estado Moderno” ? O facto de se colocar a questão da existência ou não de um “Estado moderno” ou da cronologia da sua instituição está ligado a um certo contexto da reflexão sobre a sociedade e o poder. E só neste contexto faz sentido. Tal contexto pode ser descrito em duas palavras. Nos meados do século passado, Karl Marx caracterizou o advento da modernidade (capitalista) pela separação entre a esfera da política e a esfera da economia. Ao passo que, no modo de produção feudal, a exploração económica se fazia por processos políticos (cobrança da “renda feudal”), no capitalismo a drenagem da mais valia para as classes exploradores realiza-se no âmbito da economia, constituindo a política apenas a moldura externa do processo de exploração. Com isto, dissolve-se a confusão entre propriedade e autoridade que teria caracterizado o sistema feudal, separando-se o “Estado” da “sociedade civil”. Por outras palavras, o marxismo reserva o conceito “Estado” para a descrição de um modelo em que a política formalmente se destaca do processo de exploração, emergindo como (pretensa) portadora de interesses gerais ou supra-classistas. Na segunda metade do mesmo século, a teoria jurídica e política começou a adoptar um estilo de análise política que se preocupava menos com a conjuntura - com a análise “évènementielle” da cena política - do que com as estruturas do político, nomeadamente com os grandes princípios (axiomas, conceitos) da teoria constitucional. Foi a isto que se chamou a adopção do “método jurídico” pela teoria constitucional alemã, francesa e italiana das últimas décadas do século. Neste plano, a grande ruptura da modernidade, no plano político, teria sido a instauração de um modelo novo de desenhar o poder. O sistema político típico da modernidade seria aquele em que um único pólo político se arrogava o monopólio de poder em relação a uma comunidade