Jihad
Paul E. Lovejoy
S
abe-se que a configuração étnica da população baiana modificou-se significativamente nas últimas décadas do século XVIII e ao longo do seguinte, quando Hauçás, Nupes e outros povos islamizados tornaram-se comuns entre os escravos, em especial a partir dos volumosos desembarques de cativos de fala Ioruba no século XIX.1 As origens desses escravos muçulmanos podem estar relacionadas ao contexto próprio das áreas interioranas da Baía de Benin e à jihad do Xeque Usman dan Fodio (morto em
1817), fundador do Califado de Sokoto. Deste modo, este estudo examina o material biográfico disponível, em uma tentativa de oferecer subsídios adicionais acerca da comunidade muçulmana para, assim, estabelecer mais claramente as ligações entre os padrões de resistência à escravidão na
Bahia, que culminaram na insurreição Malê de 1835, e o movimento da jihad no interior da Baía de Benin.
Em um estudo anterior examinei 108 indivíduos cuja escravização no interior daquela zona foi seguida de sua migração para a Bahia ou, pelo menos, tinha-se tal destino em pauta.2 A ele foram acrescentadas outras biografias, do que derivou uma amostragem agora redefinida para 117 indivíduos originários do Sudão Central (veja-se o apêndice), região interiorana em relação à Baía de Benin que compreendia zonas de savana e parte do sahel, e que caiu sob dominação do Califado de Sokoto no século XIX.
Por certo, nem todas estas pessoas desembarcaram na Bahia, e algumas acabaram em Serra Leoa, por exemplo.3 Contudo, o grau de concentração da população escrava islamizada da Bahia permite-me supor que as características dos cativos libertados em Serra Leoa, e de outros que não alcançaram o Brasil, são representativas dos padrões históricos mais amplos, transferidos para solo baiano através da jihad; embora, é claro, reinterpretados pelas condições locais.
Topoi, Rio de Janeiro, nº 1, pp. 11-44.
12 • TOPOI
A associação entre a