Interpretações das Mil e Uma Noites
Naturalmente, uma conferência não pode pretender o caráter de enciclopédia; limitamo-nos, pois, a extrair alguns ítens, alguns títulos reveladores, e, quem se interessar - interessar é sinônimo de amar - que prossiga por sua conta.
Partirei da figura central: Chahrzad, que é a musa, a figura central da obra. E ao pensar em Chahrzad, lembro-me imediatamente de Ester, de Judite, de Joana D'Arc, de Mata Hari, de Afrodite, e da Nicarágua. Mas por quê? Que tem que ver uma cousa com outra? Tem que ver, porque tudo se liga, tudo se une, tudo se continua, ou, como o espanhol gosta de dizer, tudo `se conecta', em direção a uma unidade. Unidade que acaba resultando no que, em termos psicológicos, se chama "o arquétipo", a unidade arquetípica.
O que se sabe do raconto das Mil e Uma Noites é que Chahrzad contava histórias ao rei Chahryar. Este costumava matar as mulheres, depois do primeiro -e único- encontro de amor, encontro extremamente feliz, acredito, para o sultão, mas não para as mulheres, que seriam irremediavelmente mortas. E o fato de ela contar-lhe histórias, de maneira infinita, tem um sentido imediato de luta contra a morte e um outro sentido amplo, geral, social, político, o de evitar que acabassem tendo esse destino, outras mulheres, as mulheres de seu povo. De modo que Chahrzad se liga ao mito, digamos, à figura da mulher redentora, de que a história está repleta. O que faço -partir de Chahrzad e chegar aos dias contemporâneos- é possível porque este tipo de personagem é extremamente repetitivo, ou seja, em circunstâncias iguais de opressão e havendo pessoas de determinada conformação